quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Intercepção Cinética

O que é que tem de especial?

Bem, para começar conduzir um projéctil para um impacto a 36000 km/h num alvo com pouco mais de meio metro de raio é um desafio técnico, em termos de algoritmos de navegação, condução e controlo, tudo menos trivial. Para se ter uma noção, este desafio é semelhante ao de interceptar uma bala com outra bala. É bastante diferente do clássico problema de se aproximar do objectivo a uma pequena velocidade relativa e fazê-lo explodir, resolvido e implementado há mais de meio século.
Numa intercepção cinética não se conduz o míssil, aponta-se! E não se aponta para onde está, obviamente, mira-se onde se prevê que irá estar. Para tal, é preciso ter um conhecimento extremamente preciso da trajectória do alvo. Note-se que 1 segundo antes do impacto a distância ainda é de 10 Kms. A última manobra de apontamento será provavelmente calculada e executada a cerca de 100 Kms.

Acresce ao interesse o facto de haver pouquíssima informação desclassificada sobre o assunto - do pouco que há disponivel publicamente, este livro do israelita (ó surpresa!) Paul Zarchan é o único verdadeiramente útil (mesmo assim, só lhe dedica um pequeno capítulo).

(A propósito, as técnicas de condução, navegação e controlo são exactamente as mesmas para a intercepção de ICBM's. Mas não se pense por isso que isto os torna obsoletos. É que determinar com precisão a órbita de um projéctil hóstil em poucos segundos é bem diferente de fazê-lo com um dos nossos.)

Depois há a questão de, em órbita, a maior parte dos destroços continuarem ... em órbita. E note-se que o Espaço não é tão grande como se possa pensar - na prática só algumas órbitas são eficientemente atingíveis e úteis. O teste chinês do ano passado criou quase tanto lixo espacial como todo o que já existia até à data (principalmente se tivermos em conta o efeito cascata de destruição de um satélite russo pelos destroços projectados, dias depois - não admitido oficialmente). Se continuam estes testes, vamos ter um problema sério para a utilização civil do espaço.

Finalmente, há as implicações político-estratégico-militares de uma nova corrida ao armamento espacial, mas isso já não é a minha área.

Ps.: Novos links adicionados: o Herdeiro de Aécio oferece-nos uma perspectiva histórica e política. Como adenda ao excelente post deixo alguns esclarecimentos técnicos:

1- Os Estados Unidos já tinham demonstrado e publicitado a sua capacidade de realizar intercepções cinéticas no espaço publicamente e aos olhos de todos, com a missão Deep Impact, apesar da precisão obtida neste caso ser da ordem dos 100 metros.

2- A desculpa da hydrazine tóxica é das mais cómicas que já ouvi. Este é o propulsor de manobras padrão para qualquer veículo espacial moderno e é inaudita a preocupação com a sua toxicidade, menor que a dos gases expelidos pelo navio e foguetão usados na intercepção. De facto, a hidrazina, (e não hidrazino, como lhe chama a merda do Público) tem propriedades semelhantes às do amóníaco e é neutralizada rapidamente e abioticamente em contacto com o ar ou água (e ainda mais rapidamente se for rico em Ozono). Esta desculpa deve ser portanto uma piada interna ou um simples insulto à inteligência do público.

3- Sobre o filme Armageddon e os milhões que fez desperdiçar* à Europa (surpresa!) há muito para contar, mas fica para outra ocasião.

*atenção: artigo desactualizado - a missão já foi cancelada.

PPs.: Relativamente ao comentário de um anónimo visitante "hóstil" preocupado com a toxicidade do combustível dos RCS, este engenheiro de sistemas de manobra para veículos espaciais humildemente repara: caem na Terra 6 satélites cheinhos de hidrazina por mês e o caro anónimo só se preocupa com este?

3 comentários:

Anónimo disse...

Pois... Antes de botar faladura e armar-se em "catedrático" convém ser-se um pouco mais rigoroso... A hidrazina não é propriamente doce de abóbora... Fale com quem sabe, antes de debitar "bitaites" de tipo "hóstil" (sic)...

Tárique disse...

Caro, eu sou Engenheiro Aeroespacial, especialista em sistemas de controlo de órbita e atitude de veículos espaciais, até recentemente na Agência Espacial Europeia. :)

Mas diga-me lá, sabe quantas dezenas satélites pejadinhos de hidrazina já se desfizeram na atmosfera sem causarem qualquer tipo de preocupação?

Tárique disse...

A propósito, eu deixo-lhe no artigo 3 links para as propriedades químicas e de segurança da hidrazina, incluindo para a página do painel intergovernamental de segurança química. Não digo que não é tóxica, mas tão-somente que é inaudita a preocupação com a sua toxicidade.

Antes de me vir exigir rigor, leia o artigo como deve ser e diga-me lá aí onde é que eu escrevo que "é doce de abóbora".